23 fevereiro 2007

Tribuna das Ilhas (Artigo Paulo Casaca)

Touradas em debate
Assim que, por efeito da normal rotação intercalar de mandatos, deixei de ocupar a presidência do Intergrupo para o Bem-Estar e Conservação Animal o primeiro tema que caiu na mesa foi o das touradas.
Comecemos por fazer uma distinção essencial que serve para entendermos um pouco os debates que atravessam os movimentos de opinião que se dedicam à questão do bem-estar e conservação animal.
Há quem seja contra qualquer agressão, tratamento cruel e desumano a animais que não tenha uma justificação racional e que não possa ser evitado, mas não seja contra a exploração de animais, e há quem seja, por princípio, contra qualquer exploração animal, posições eticamente distintas que levam a posicionamentos diferentes.
Assim, no primeiro caso, temos aqueles que não são contra a pecuária, mas pensam que os animais devem ser bem tratados em vida e sofrer o mínimo possível quando são abatidos, enquanto no segundo caso temos aqueles que são contra qualquer actividade pecuária.
De forma algo específica nesse debate, temos a utilização lúdica dos animais. Em princípio, ninguém se opõe à utilização de cães e gatos como animais de companhia. Largamente desenvolvidos já com a função lúdica, a sua existência não teria sentido sem o acompanhamento humano.
A questão já se coloca de forma diferente, se se tratar de animais selvagens, que são fortemente penalizados e diminuídos quando em cativeiro. É assim que os circos, jardins zoológicos tradicionais e a manutenção privada em cativeiro destes animais como animais de companhia, são hoje em dia unanimemente condenados pelos grupos de bem-estar e conservação animal.
E as touradas? Enquanto espectáculo em que se fere um animal e onde se chega mesmo a matá-lo, não há qualquer dúvida de que é uma actividade condenável por qualquer organização respeitadora do bem-estar animal.
Mas quanto a garraiadas e touradas à corda, ou touradas em que, à imagem do que acontece nos EUA, as farpas das bandarilhas forem substituídas por pontas de veludo ou de tinta que não ferem o animal?
Neste último caso, os aficionados protestam por causa da tradição, com argumentos técnicos e, com mais razão de causa, porque vêem nesta transformação o primeiro passo para simplesmente acabar com as touradas, e parte dos partidários do bem-estar e conservação animal protestam contra todos esses espectáculos, dado que, como explicaram perante o intergrupo, trata-se de uma actividade que causa stress e exaustão ao animal.
Aqui, permito-me lembrar que o que chamamos de "touro bravo" não é uma espécie realmente selvagem, mas antes produto de apuramentos feitos pelo próprio homem e, nesse sentido, tem mais a ver com animais domésticos do que com animais selvagens.
No seu meio natural, quando isolado, o touro bravo, não reage de forma substancialmente diferente do que aquela com que reage no espectáculo, ou seja, com stress. Correr à frente do touro – por vezes arriscando a própria segurança, pode ser questionável de vários pontos de vista, mas tão pouco me parece que possa ser comparado a uma actividade em que o sofrimento do animal é causa de qualquer divertimento.
Posto isto, e no que respeita às touradas portuguesas que utilizam bandarilhas, parece-me que, mais frutuoso do que as proibir, seria introduzir em Portugal touradas à americana, e através desse exemplo, tentar estimular a substituição das primeiras pelas segundas.
Um apelo europeu para a condenação e solicitação de proibição de qualquer tourada – sem distinção entre os vários tipos de eventos que utilizam touros – não me parece ser assim a forma mais indicada de tratar desta questão, nem de levar a um mais rápido fim de práticas que ferem os princípios que professo do respeito pelos animais.


Estrasburgo, 2007-02-15

(Paulo Casaca)