03 março 2008

Os comunistas foram ao cinema eheheheh

Os comunistas foram ao cinema ver Call Girl. Deram-lhe bola preta. Não por causa dos méritos ou deméritos da realização de António-PedroVasconcelos. Mas porque o protagonista do filme é (supostamente) um autarca corrupto do PCP. O verdadeiro comunista não se deixa deslumbrar pelas curvas sinuosas de Soraia Chaves, que passa metade do tempo mais despida do que a Avenida da Liberdade no Inverno - põe é oolho na filiação partidária de Nicolau Breyner, e denuncia: "É absurdo que se procure fazer a identificação do autor da corrupção com um presidente de câmara comunista, quando a realidade mostra que tem sidoo PCP que menos motivos tem dado para ser apontado como exemplo depráticas de corrupção no poder local."Quem escreveu isto não foi um velhinho que ajudou à queda de NicolauII. Foi Abílio Fernandes, actual deputado do Partido Comunista Português e antigo presidente da Câmara de Évora, num pequeno texto deopinião publicado no Público. Foi secundado por dois ilustrescompanheiros de partido, Vítor Dias e Sérgio Ribeiro. Foi depois rebatido por Nicolau Breyner e António-Pedro Vasconcelos, que, em declarações ao Correio da Manhã, garantiram que o autarca não é do PCP(a sua filiação partidária nunca é explicitamente referida) e que o mais provável é Abílio Fernandes ter visto o filme "a dormir". Tendo em conta a já referida performance de Soraia Chaves, posso assegurar que Call Girl dá tudo menos sono. A questão, de facto, não é essa - é outra, bem mais interessante.Call Girl conta a história de um autarca alentejano que resiste à construção de um megaempreendimento turístico, até ao momento em que uma prostituta de luxo é contratada para o fazer mudar de ideias. Se
os comunistas fossem capazes de ver no mundo outras cores para além do vermelho, perceberiam que Call Girl não é um filme sobre corrupção - é um filme sobre a paixão e o poder das mulheres. Aquele autarca nunca é retratado de forma negativa. Pelo contrário, no início é apresentado como um homem íntegro, que resiste corajosamente à investida do grande capital (esse malandro), até ao momento em que Soraia Chaves se lhe atravessa no caminho com dois argumentos imbatíveis. Na verdade, a personagem de Nicolau Breyner não se deixa corromper - ela deixa-se seduzir. Perdidamente. A corrupção é apenas um efeito secundário da paixão. É sintomático que no século XXI os comunistas continuem aconfundir os dois conceitos, preferindo perorar sobre "opções ideológicas manipuladoras" e a propagação de ideias subversivas.Soraia está nua e Abílio pensa na militância. É por isso que o Muro de Berlim caiu.

João Miguel Tavares (DN)